“São Paulo, nove de julho de 2006
Meu caro Tadeu,
Fiquei
muito feliz com a notícia de que você está pastoreando a igreja de seus
pais desde o ano passado. Agradeço a sua carta comunicando o fato e
também a confiança depositada em mim, ao expor os conflitos com o ‘grupo
de louvor’ de sua nova igreja. Percebo que desde sua posse esse tem
sido um dos assuntos que mais o tem afligido. Você foi eleito para cinco
anos e ainda há um longo caminho a ser percorrido. Como pastor da
igreja, você tem prerrogativas quanto à condução do culto e autoridade
para orientar o que vai ser cantado no culto e a maneira como isso vai
ser feito. Em alguns casos, o desgaste já é tão grande que não existe
mais diálogo possível entre o pastor e o grupo de louvor. Espero que não
seja esse o seu caso, e nessa esperança, dou-lhe alguns conselhos.
1)
Aconselho que você reconheça que nós, reformados, já perdemos a batalha
por um culto simples, espiritual, teocêntrico e equilibrado. O
movimento gospel veio para ficar. Nós perdemos, Tadeu, porque erramos na
estratégia. Há cerca de dez anos, quando a Igreja Batista da Lagoinha
começou a comandar o louvor nas igrejas evangélicas no Brasil,
preferimos resistir frontalmente e insistir com nossas igrejas a que
ficassem com os hinos de nosso hinário. Foi um erro. Poderíamos, além
disso, ter apresentado uma alternativa às músicas deles. Há exceções,
mas muitas delas são sofríveis, musicalmente falando, e têm uma teologia
fraquíssima. São cânticos permeados de conceitos arminianos,
neopentecostais, da teologia da prosperidade e da batalha espiritual,
característicos daquilo que é produzido pelos músicos e cantores gospel
da atualidade. Infelizmente, não conseguimos oferecer nada melhor desde o
início, a não ser apelos para ficarmos com os hinos tradicionais.
2)
Comece solicitando ao grupo de louvor uma relação de todos os cânticos
do seu repertório e se comprometa a estar em todos os ensaios deles para
estudo bíblico a respeito do louvor e da adoração, para analisar a
propriedade, a teologia e até mesmo o português desses cânticos. Nesses
encontros, aja humildemente e não autoritariamente. Lembre-se que eles
estão acostumados a tocar tudo o que querem sem serem críticos do que
estão cantando. Procure conduzir as discussões para a Bíblia, como o
referencial último de tudo o que vai ser feito no culto. Leve-os a
perceberem por si próprios que determinadas letras são inadequadas e a
desistirem delas. Nesse sentido, seu maior aliado é o púlpito. Pregue
sobre a centralidade de Deus no culto, sobre a necessidade da boa
doutrina, sobre o perigo dos falsos ensinamentos, sobre o poder da
música para o bem e para o mal e o imperativo de mantermos o culto
dentro dos parâmetros bíblicos.
3)
Coloque como regra inflexível – se possível aprovada como decisão do
Conselho da Igreja – que todos os participantes do grupo de louvor
também devem estar totalmente integrados na vida da igreja, participando
da escola dominical, das sociedades domésticas, sendo assíduos aos
cultos. Mais importante do que tudo, deve ser colocada como condição sine qua non,
que suas vidas sejam irrepreensíveis, sendo exemplo para os demais
jovens da igreja. Insista que eles devem participar do culto todo e que é
inaceitável que após a parte deles, que saiam e fiquem do lado de fora
da igreja. Não abra mão disso.
4)
Com muito cuidado, procure diminuir o volume com que eles tocam.
Domingo à noite fui pregar em uma igreja e sentei-me no primeiro banco,
aguardando o momento da pregação. O volume do grupo de louvor estava tão
alto que não agüentei – levante-me e sai discretamente. Quando consegui
sair do local e chegar do lado de fora, meus ouvidos estavam zumbindo.
De alguma maneira, os grupos de louvor têm a idéia de que os cânticos
têm que ser tocados e cantados com os instrumentos e o vocal no volume
máximo. Uma coisa que você pode fazer para convencê-los de que sempre
estão tocando muito mais alto do que é necessário é conseguir trazer um
especialista com um medidor de decibéis durante os ensaios para medir o
nível de ruído. Isso vai mostrar para eles como muitas pessoas se sentem
incomodados – inclusive vizinhos silenciosos que não vão reclamar na
polícia, mas que no íntimo já tomaram a decisão que jamais se tornarão
crentes. Em especial, trabalhe com o baterista, procurando convencê-lo
que o alvo da bateria não é fazer barulho, mas marcar o compasso da
música de maneira discreta, misturando-se com a melodia, a ponto de se
tornar quase imperceptível. Esse provavelmente será o seu trabalho mais
difícil. Se quiser o testemunho de um presbítero que quase ficou surdo
com o volume do grupo de louvor, veja seu testemunho aqui.
5)
Uma outra tarefa difícil será convencer o guitarrista principal de que o
culto não é show e nem os louvores uma oportunidade dele mostrar solos
incríveis de guitarra. Exibições individuais da performance dos
instrumentistas apenas chamam a atenção para eles – não para Deus. Como
alternativa, sugira uma noite de som gospel, num sábado à noite, onde
outras bandas poderão ser convidadas para um festival de gospel. E tenha
cuidado para não dar a esse encontro qualquer conotação de culto. Lá
eles podem mostrar toda a sua capacidade com a guitarra. Mas, no culto,
usem os instrumentos de forma discreta, para acompanhar os cânticos.
6)
Tente mostrar para eles que mandar o povo ficar em pé toda vez que
assumem o microfone nem sempre fica bem. Às vezes o pastor acabou de
mandar o povo sentar. Deixem o povo sentado. Não vai prejudicar em nada o
louvor se o povo ficar sentado. Além disso, tem velhos, idosos e
pessoas doentes que não conseguem ficar vinte minutos em pé. Eles devem
pensar também no pregador da noite, que além de ficar em pé durante o
tempo do louvor, vai ficar em pé mais uma hora pregando. Não tem quem
agüente.
7)
Procure convencê-los a ocupar menos tempo da liturgia. Se conseguir,
será uma grande vitória. Uma sugestão que você pode dar nesse sentido é
que não repitam o mesmo cântico duas ou três vezes, como costumam fazer.
Também, que cortem as ‘introduções’, geralmente compostas da repetição
de frases clichês e batidas que não dizem nada. Se você conseguir
convencer o líder do grupo que a tarefa dele é cantar e não exortar e
dar testemunho, irá diminuir bastante o tempo empregado no louvor, além
de poupar os ouvidos dos crentes de ouvir besteiras, frases clichês,
chavões batidos, que só tomam tempo mesmo.
8)
Outra coisa que me ocorre: insista em que estejam preparados antes do
culto. Fica muito feio e distrai o povo quando os componentes do grupo
de louvor ficam afinando instrumentos, equalizando o equipamento de som,
plugando e desplugando microfones e fios quando o culto já começou.
Ensine-os a serem profissionais naquilo que fazem, e que Deus é Deus de
ordem.
9) Procure
mostrar que eles não são levitas. Não temos mais levitas hoje. Todo o
povo de Deus, cada crente em particular, é um levita, um sacerdote, como
o Novo Testamento ensina. É uma idéia abominável que os membros do
grupo de louvor são levitas. Isso reintroduz o conceito que foi abolido
na Reforma protestante de que o louvor e o acesso a Deus são
prerrogativas de apenas um grupo e não de todo o povo de Deus. Resista
firmemente a essas idéias erradas, que são oriundas das igrejas
neopentecostais, especialmente daquelas que se fizeram em cima do
movimento de louvor. Tais conceitos apenas servem para que eles se
sintam mais especiais do que realmente são e, portanto, intocáveis.
Procure incutir na mente deles que aquilo que eles fazem no culto não é
mais louvor e mais espiritual do que o cântico de hinos acompanhados ao
órgão ou ao piano.
10)
Por fim, ore bastante para que os membros do grupo de louvor não sejam
filhos de presbíteros e de famílias influentes da igreja, porque se
forem, profetizo que sua missão fracassará. Por mais crentes e sérios
que os presbíteros sejam, eles não irão contra a sua própria família, e
muito menos contra os seus filhos. Você não terá o apoio deles para
reduzir, minimizar, limitar e mesmo qualificar a participação do grupo
de louvor no culto. Nesse caso, restarão poucas opções. Uma delas é
capitular inteiramente e simplesmente deixar o grupo de louvor fazer o
que sempre fez, suportando heroicamente, enquanto ora baixinho no culto,
‘Deus, dá-me paciência para que eu possa suportar esse calvário durante
o tempo em que fui eleito aqui’. Outra opção é simplesmente pedir as
contas e ir embora para outra igreja, tendo aprendido a importante lição
de que a primeira pergunta que se faz ao ser convidado para ser pastor
de uma igreja é essa: ‘tem grupo de louvor? Os componentes são filhos
dos presbíteros?’
Um
velho pastor do Recife costumava se referir ao conjunto da sua Igreja
como ‘cão junto’. Espero que não chegue a esse ponto em sua igreja,
Tadeu, mas que você encontre misericórdia da parte de Deus para que esse
desafio seja vencido e que sua igreja desfrute do verdadeiro louvor
durante os cultos.
Um abraço!
Augustus”
*NOTA:
A carta é fictícia. Toda semelhança com qualquer situação pela qual
algum pastor reformado esteja passando será mera coincidência...
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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott