sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A Duplicidade e seus Problemas: A Predestinação é Dupla?
R.C. Sproul1

Há diferentes visões da dupla predestinação. Uma delas é tão amedrontadora que muitos a evitam totalmente, para que sua visão da doutrina não se confunda com ela, que seria absurda. Esta é chamada de visão da destinação simultânea.
A destinação simultânea é baseada no conceito da simetria. Procura um equilíbrio completo entre eleição e reprovação. A idéia chave é esta: Assim como Deus intervém nas vidas dos eleitos para criar fé em seus corações, também assim igualmente intervém nas vidas dos reprovados para criar ou operar incredulidade em seus corações. A idéia de Deus ativamente operando incredulidade nos corações dos reprovados é extraída das declarações bíblicas sobre Deus endurecendo os corações das pessoas.
A destinação simultânea não é a visão reformada ou calvinista da predestinação. Alguns a têm chamado de “hiper-calvinismo”. Eu prefiro chamá-la de “sub-calvinismo”, ou, melhor ainda, de “anti-calvinismo”. Embora o calvinismo certamente tenha uma visão de dupla predestinação, a dupla predestinação que ele abraça não é a da destinação simultânea.
Para entender a visão reformada sobre o assunto, precisamos prestar muita atenção à crucial distinção entre os decretos positivos e negativos de Deus. Positivo tem a ver com a intervenção ativa de Deus nos corações dos eleitos. Negativo tem a ver com Deus deixando de lado os não-eleitos.
A visão reformada ensina que Deus positivamente e ativamente intervém nas vidas dos eleitos para garantir sua salvação. O resto da humanidade Deus deixa por si mesmos. Ele não cria incredulidade em seus corações. Essa incredulidade já está lá. Ele não os coage a pecar. Eles pecam por suas próprias escolhas. No calvinismo, o decreto de eleição é positivo. O decreto de reprovação é negativo.
A visão hiper-calvinista da dupla predestinação pode ser chamada de predestinação positiva. A visão do Calvinismo ortodoxo pode ser chamada predestinação positiva-negativa. Vamos vê-la em diagrama:

CALVINISMO
HIPERCALVINISMO

  • positivo-negativo
  • visão assimétrica
  • destinação não simultânea
  • Deus deixa de lado o reprovado
  • positivo-positivo
  • visão simétrica
  • destinação simultânea
  • Deus opera incredulidade nos corações reprovados

O terrível erro do hipercalvinismo é que envolve Deus na coação do pecado. Isto faz violência radical à integridade do caráter de Deus.
O exemplo bíblico primário que poderia tentar alguém para o hipercalvinismo é o caso do Faraó. Repetidamente lemos na narrativa de Êxodo que Deus endureceu o coração de Faraó. Deus contou a Moisés, muito antes do tempo, que ele faria isto:

Tu falarás tudo que eu te ordenar; e Arão, teu irmão, falará a Faraó, para que deixe ir da sua terra os filhos de Israel. Eu, porém, endurecerei o coração de Faraó, e multiplicarei na terra do Egito os meus sinais e as minhas maravilhas. Faraó não vos ouvirá; e eu porei as minhas mãos sobre o Egito e farei sair as minhas hostes, o meu povo, os filhos de Israel, da terra do Egito, com grandes manifestações de julgamento. Saberão os egípcios que eu sou o Senhor, quando estender eu a minha mão sobre o Egito e tirar do meio deles os filhos de Israel. (Êx 7.2-5)

A Bíblia claramente ensina que Deus, de fato, endureceu o coração de Faraó. Agora sabemos que Deus fez isto para sua própria glória e como um sinal, tanto para Israel quanto para o Egito. Sabemos que o propósito de Deus em tudo isto era um propósito redentor. Mas ainda ficamos com um problema crítico. Deus endureceu o coração de Faraó e então julgou Faraó por seu pecado. Como pode Deus considerar Faraó ou qualquer um responsável pelo pecado que flui de um coração que o próprio Deus endureceu?
Nossa resposta a essa pergunta dependerá de como nós entendemos o ato de Deus de endurecer. Como Ele endureceu o coração de Faraó? A Bíblia não responde explicitamente a esta pergunta. Ao pensarmos nela, percebemos que existem somente duas maneiras pelas quais Ele poderia ter endurecido o coração de Faraó: ativamente ou passivamente.
O endurecimento ativo envolveria a intervenção direta de Deus nas câmaras internas do coração de Faraó. Deus irromperia no coração de Faraó e criaria nele um mal adicional. Isso garantiria que Faraó produziria o resultado que Deus estava procurando. Isso também asseguraria que Deus é o autor do pecado.
O endurecimento passivo é uma história totalmente diferente. O endurecimento passivo envolve um julgamento divino sobre o pecado que já está presente. Tudo o que Deus tem a fazer para endurecer o coração de uma pessoa cujo coração já é desesperadamente mau é “entregá-la a seu pecado”. Encontramos este conceito de julgamento divino repetidamente na Escritura.
Como isto funciona? Para entender devidamente, devemos primeiro dar uma rápida olhada em outro conceito, o da graça comum de Deus. Isto refere-se à graça de Deus da qual os homens comumente gozam. A chuva que refresca a terra e rega nossas colheitas cai sobre os justos e os injustos igualmente. Os injustos certamente não merecem tais benefícios, mas, de qualquer modo, desfrutam deles. É assim com o sol brilhando e com o arco-íris. Nosso mundo é um teatro da graça comum.
Um dos mais importantes elementos da graça comum de que gozamos é a restrição do mal no mundo. Essa restrição flui de muitas fontes. O mal é restringido pelos policiais, pela lei, pela opinião pública, equilíbrio de poder e assim por diante. Embora o mundo em que vivemos seja cheio de maldade, não é tão mau como poderia ser. Deus usa os meios mencionados acima, bem como outros meios, para manter o mal sob controle. Por sua graça ele controla e restringe a quantidade de mal neste mundo. Se o mal fosse deixado totalmente sem controle, então a vida neste planeta seria impossível.
Tudo que Deus tem a fazer para endurecer o coração das pessoas é remover as restrições. Ele lhes dá uma corda mais longa. Em vez de restringir sua liberdade humana, ele a aumenta. Ele deixa que elas façam as coisas do seu próprio modo. Em certo sentido, ele lhes dá corda suficiente para que elas se enforquem. Não é que Deus coloque sua mão sobre elas para criar o mal novo em seus corações; ele meramente remove delas sua santa mão de restrição, e deixa que façam sua própria vontade.
Se fôssemos determinar o homem mais ímpio, o mais diabólico da história humana, certos nomes apareceriam nas listas de quase todos. Veríamos os nomes de Hitler, Nero, Stalin, que foram culpados de assassinato em massa e outras atrocidades. O que estas pessoas têm em comum? Eles todos foram ditadores. Eles todos tinham, virtualmente, poder ilimitado dentro das esferas de seus domínios.
Por que dizemos que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente? (Sabemos que isto não faz nenhuma referência a Deus, mas somente ao poder e corrupção dos homens.) O poder corrompe precisamente porque levanta uma pessoa acima das restrições normais que restringem o restante de nós. Eu sou restringido por conflitos de interesse com pessoas que são tão poderosas ou mais poderosas do que eu. Aprendemos cedo na vida a restringir nossa beligerância para com aqueles que são maiores do que nós. Tendemos a entrar em conflito seletivamente. A discrição tende a sobrepor-se à bravura quando nossos oponentes são mais poderosos do que nós.
Faraó era o homem mais poderoso do mundo quando Moisés foi vê-lo. A única restrição que havia sobre a maldade de Faraó era o santo braço de Deus. Tudo que Deus tinha a fazer para endurecer mais a Faraó era remover seu braço. As inclinações malignas de Faraó fizeram o restante.
No ato de endurecimento passivo, Deus toma a decisão de remover as restrições; a parte má do processo é feita pelo próprio Faraó. Deus não faz violência à vontade de Faraó. Como dissemos, ele simplesmente dá a Faraó mais liberdade.
Vemos o mesmo tipo de coisa no caso de Judas e com os homens maus que Deus e Satanás usaram para afligir Jó. Judas não era um pobre inocente vítima da manipulação divina. Ele não era um homem reto que Deus forçou a trair Cristo e então puniu pela traição. Judas traiu Cristo porque Judas quis trinta moedas de prata. Como as Escrituras declaram, Judas foi um filho da perdição desde o início.
Com certeza, Deus usa as más inclinações e as intenções malignas dos homens decaídos para produzir seus próprios propósitos redentivos. Sem Judas não há cruz. Sem a cruz não temos redenção. Mas este não é o caso de Deus coagindo ao mal. Em vez disso, é um glorioso caso do triunfo redentor de Deus sobre o mal. Os maus desejos dos corações dos homens não podem frustrar a soberania de Deus. Na realidade, estão sujeitos a ela.
Quando estudamos o padrão de Deus para a punição dos homens maus, vemos um tipo de justiça poética emergindo. Na cena de julgamento final do Livro de Apocalipse lemos o seguinte:

Continue o injusto fazendo injustiça, continue o imundo ainda sendo imundo; o justo continue na prática da justiça, e o santo continue a santificar-se. (Ap 22.11)

No último ato de julgamento de Deus, ele entrega os pecadores a seus pecados. Com efeito, ele os abandona a seus próprios desejos. Assim foi com Faraó. Através deste ato de julgamento, Deus não manchou sua própria justiça criando mal adicional no coração de Faraó. Ele estabeleceu sua própria justiça punindo o mal que já estava lá no coração de Faraó.
É assim que nós devemos entender a dupla predestinação. Deus dá misericórdia a seus eleitos operando fé em seus corações. Ele dá justiça aos reprovados deixando-os em seus próprios pecados. Não há simetria aqui. Um grupo recebe misericórdia. O outro grupo recebe justiça. Ninguém recebe injustiça. Ninguém pode queixar-se de que há injustiça em Deus.

1 Capítulo 7 do livro Eleitos de Deus, da Editora Cultura Cristã, 2002.

Um comentário:

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott